sábado, 1 de novembro de 2008

Vitória X Flamengo (torcida genérica)

Meu pai é torcedor do Vitória, mas começou como flamenguista. Quando era pequeno, na cidade de Vitória da Conquista, o único contato com o futebol que ele tinha era através do rádio, e apenas sobre o campeonato carioca. Escolheu o Flamengo. Mais velho, veio pra Salvador e quando viu o Vitória entrando em campo, com as mesmas cores do Flamengo, decidiu que era para o Vitória que ele iria torcer. Nasci e, naturalmente, sou torcedor do Vitória. E não simpatizo com o Flamengo.
Acredito que esse pode ser um dos porquês de se ter tanto flamenguista espalhado pelo Brasil, fazendo o Flamengo encher todos os estádios.

– A fila tá dando cinco voltas em torno do prédio – disse-me um amigo, sobre a fila pra comprar ingresso pro jogo contra o Flamengo.
Uma vez, em uma viagem pela Chapada Diamantina, eu (Vitória), um amigo torcedor do Bahia e outro torcedor do Flamengo, apostamos quais camisas desses três times seriam as mais vistas durante a viagem, que foi de seis dias. Quem perdesse, teria de virar um copo de cerveja, só que sem cerveja, e sim, com abaíra, uma cachaça famosa por lá. A cachaça em si, é tranqüilo de beber, o problema é o arroto. Não pode arrotar. Se arrotar, fudeu.
O Flamengo ganhou com 15 camisas, seguido do Bahia com 9 e Vitória com 6. Achei até melhor, senão iam dizer que era vice e blá, blá, blá...
Encheram o copo, tremi ao sentir o cheiro, não pensei muito, virei de guti guti, segurei a respiração, soltei o ar devagar, me concentrei, mas não adiantou... O arroto foi inevitável. E com ele, toda a abaíra de volta, junto com um pastel de palmito de jaca que eu tinha acabado de comer.

Esse ano, por causa do blog, fui a quase todos os jogos do Vitória no Barradão. Vi Ipatinga, Náutico, Goiás, Portuguesa, Botafogo... não seria uma fila que iria me impedir de ver o Flamengo. A coisa era pessoal. A abaíra tá até hoje entalada. Nunca mais fui capaz de bebe-la de novo.

Soube que na loja da TIM, no Shopping Barra, estava vendendo o ingresso. Liguei pra lá e ninguém atendia. Resolvi arriscar e na hora do almoço fui até lá.
– Boa tarde, tem o ingresso pro jogo do Vitória?
– Tem...
“Que beleza!”, pensei.
– ... mas acabou – completou a imbecil.
Me concentrei, agradeci e fui embora. A guerra seria longa. Liguei pra Marcelo:
– Vai pro jogo?
– Não sei e você?
– Tô procurando ingresso.
– Soube que a fila tá dando voltas no Capemi, um cara aqui da obra acabou de ir lá. Se você me ligasse cinco minutos atrás, eu dava o dinheiro a ele pra ele comprar o seu.
Essa foi a pior notícia do dia.
Tomei coragem e, no sol de meio dia e meia, fui ao longínquo Manoel Barradas.
Parei o carro e no caminho pra fila, ainda sem vê-la, uns três que vinham na direção contrária, disseram:
– Maluco, se prepare pra ficar duas horas no sol.
E foram duas horas debaixo do sol, ouvindo os comentários alheios, ditos com a mais profunda convicção, sobre os mais diversos temas: futebol; o atacante Marquinhos; a falta de organização para a compra de ingresso; como acabar com os cambistas; o afundamento do Bahia; e a eleição de João Henrique. Todos esses assuntos foram debatidos a exaustão por três caras que se conheceram na fila, na minha frente. Vez em quando eu era convidado a opinar com um olhar, seguido da frase “né, não?”.
Concordei com tudo.

No dia seguinte, cheguei o mais cedo que pude ao estádio. Com fome, procurei o “Açaí Bombadão do Rei Jesus” e felizmente o achei, com todos os seus apetrechos para incrementar o açaí. Pedi só granola e fui me sentar.

A torcida do Flamengo chegou mais cedo ainda e, até aquele momento, estava em maior número. A caravana de Ilhéus, Juazeiro, Ipirá, Itabuna, Feira de Santana e mais uns torcedores do Bahia pareciam espremidos no espaço destinado a eles, que faziam a festa, gritando “aha, uhu, o Barradao é nosso”.
A torcida do Vitória estava demorando de entrar.
– Deixe Os Imbatíveis chegarem que eles vão ver – disse um senhor do meu lado, visivelmente irritado com a falta de respeito.
– Isso é coisa de torcedor do Bahia – profetizou outro.
– Deixe Os Imbatíveis chegarem – repetiu o primeiro.
A torcida do Flamengo passou a cantar o tema de Ayrton Senna com aquela letra deles, que acho feia pra caralho.
– Quando Os Imbatíveis chegarem, eles vão ver – disse um outro torcedor.
E nada de Os Imbatíveis chegarem.
Estava tendo um jogo preliminar dos juniores do Vitória contra um time chamado AAB. Até quando o AAB chutava, a torcida do Flamengo fazia “uuuhhh”. Espremidos, começaram a invadir e ocupar um espaço ao lado, inclusive ficando em volta de uma pequena torcida organizada do Vitória, a Camisa 12.
Os Imbatíveis vêm aí – disse mais um.
Os Imbatíveis eram os salvadores ali. A torcida do Vitória confiava neles a tarefa de calar os flamenguistas.
“Puta que pariu, é a maior torcida do Brasil”, gritavam agora os flamenguistas.
– É que não pode mais beber no estádio, aí Os Imbatíveis tão comendo água lá fora pra já entrarem mamados – disse um outro torcedor.
E "Os Mamados" finalmente chegaram e mandaram de cara um “ei, Flamengo, vá tomar no c...”. Veja no nosso vídeo exclusivo. Outro grito constante foi o de “éu, éu, éu, vai pra casa tabaréu”, num claro preconceito da torcida do Vitória com as caravanas do interior.

Minutos antes do jogo, a torcida do Vitória estava em maior número, mas por muito pouco. Uma provocava a outra. O duelo começou nas arquibancadas. A festa estava acontecendo, tudo estava como manda o figurino, que por sinal era vermelho e preto, até que uma bandeira azul, vermelha e branca apareceu na torcida do Flamengo. Logo após disso, gritos de “Baêêêêêêa, Baêêêêêêêêa” foram entoados.
Eu entendo. Imagino que deva estar sendo difícil pros torcedores do Bahia essa falta de contato com o futebol, com os gols, com a vibração e daí eles precisam dessa dose a mais. É uma questão de sobrevivência.
Enquanto gritavam “Baêa, Baêa”, foram engolidos com gritos de “ão, ão, ão, segunda divisão”, logo depois corrigidos pra “ão, ão, ão, terceira divisão”. Até alguns torcedores do Flamengo, querendo mostrar que existiam flamenguistas ali, entraram nesse coro. Ficou feio pro time de Feira de Santana.
O jogo começou pegando fogo. As torcidas gritando, os times atacando e a luz faltando aos três minutos.
“Luz de boate no Barradao” de novo.
Meia hora depois, a luz voltou. As torcidas estavam inflamadas. A do Flamengo querendo ser campeã, a do Vitória sonhando com a Libertadores e querendo garantir a Sulamericana e a do Bahia peruando.
Os dois times jogavam abertos, se revezando no ataque, perdendo ambos grandes chances de gol. A torcida do Bamengo chiou por um pênalti não marcado em Obina, chamando o juiz de ladrão.
O Flamengo queria devolver a derrota que sofreu pro Vitória em pleno Maracanã, quando era líder do campeonato, porém, o rubro-negro baiano somou quatro pontos esse ano em cima do rival carioca, pois o jogo no Barradão ficou no zero a zero, mesmo tendo muitas boas jogadas, sendo que a melhor delas foi uma jogada muito emblemática e que não foi em cima de nenhum zagueiro, nem de nenhum volante, mas em cima do prefeito reeleito de Salvador, João Henrique, torcedor do Vitória, que, ao chegar ao estádio, foi cercado por torcedores em uma comum manifestação em torno de um político e, achando estar nos braços do seu povo, o prefeito não percebeu que roubaram sua carteira.
No fim do jogo, quando as rádios noticiavam o fato, um torcedor comentou:
– Bem feito, a gangue dele rouba do povo, a gangue do povo rouba dele.
Outro emendou:
– É só a torcida do Bahia aparecer aqui que essas coisas acontecem.