Cheguei ao Barradão sem engarrafamento, jogo do Brasil acabara de terminar, muita gente ainda voltando do São João, parei numa vaga boa, sem stress, tudo bem tranqüilo até eu enxergar a fila do Sou Mais Vitória, que mais uma vez era dez vezes maior do que a fila de quem acabou de comprar o ingresso. É meu quinto jogo como associado, é a quinta fila quilométrica que pego e é a quinta vez que flagro torcedores de primeira viagem que achavam que com a compra do dito cujo não pegaria mais fila pra entrar:
– Essa é a fila do Sou Mais Vitória? – perguntou um torcedor acompanhado dos dois filhos e com a carteira de associado na mão.
– É – respondi.
– Do Sou Mais Vitória? – perguntou de novo, sem querer acreditar.
– Isso.
– Que porra é essa? – ficou a se perguntar.
Mas essa é mesmo a pergunta que a diretoria do Vitória tem que responder:
“Que porra é essa?”
Além do mais, muitas queixas de torcedores que ainda não receberam a camisa oficial do time, prometida na compra do Sou Mais Vitória. Eu mesmo fiz minha carteira em fevereiro e até hoje não recebi a camisa, inclusive a minha já está vendida, pois acho o padrão muito feio. As marcas de patrocínio (Tim, MCS, Insinuante, Lupo, Habibs) estão tendo o mesmo peso gráfico que o escudo do time. Tudo do mesmo tamanho. Não dá pra distinguir o que é escudo e o que é marca. Pode ter quantas marcas der, mas que se encontre um equilíbrio no design, deixando o escudo em primeiro plano. Vendi minha camisa (que ainda não recebi, repito) por 100 reais. A pergunta que fica agora é outra. Ou melhor, são duas:
“Que porra é essa?” e “Caso mude o patrocinador do material esportivo, os associados que ainda não receberam a camisa irão receber o padrão velho ou o novo?”.
Sonhamos cheios de esperança com o bom senso da diretoria e do departamento de marketing.
Escolher o lugar pra ver o jogo é uma loteria. Nunca se sabe que tipo de torcedor vai estar do seu lado. Pode ser um calado, pode ser um que fala o tempo todo, um que xinga, um que fuma... Sentei do lado de um que era o pensamento negativo em pessoa. Toda bola que o Vitória pegava ele jogava praga. Apodi pegava na bola, avançava pela lateral e ele dizia:
– Lá vai esse fazer merda, repare no que tô dizendo, ó a merda...
Apodi toca pra Leandro Domingues:
– Ahh, aí fudeu, vai dar em nada, vai perder a bola, repare...
Leandro toca pra Roger, que vai pra cima:
– Vixe, esse é pior ainda, vai fazer nada, essa carniça...
Roger chuta pra fora.
– Não falei... Tô dizendo...
Toda jogada que eu Vitória armava, o cara secava. A palavra mais singela que ele disse foi quando Uellinton errou um passe:
– Que indisplicência da porra, viu? Esse Uellinton é muito indisplicente.
Foi o primeiro tempo todo assim. A pergunta que fica agora é outra:
O Vitória não fazia o gol por que o cara era negativo ou o cara era negativo por que o Vitória não fazia o gol?
Fim do primeiro tempo. Zero a zero.
Resolvi sair do lado do cara negativo e, como sempre faço no segundo tempo, me posicionei bem atrás do gol adversário. Geralmente ali, colado no muro, ficam os torcedores mais exaltados, que passam o jogo todo xingando o goleiro adversário, como nesse vídeo do jogo contra o Goiás pelo campeonato de 2008 (nunca mais encontrei essa figura lá), mas dessa vez ali só tinha crianças. Todas coladas no alambrado.
“Aqui vai ser pensamento positivo o tempo todo, o Vitória vai brocar”, profetizei.
Porém, as crianças, mesmos as mais novas, xingavam o goleiro como se fossem adultos. “Viado”, “frangueiro” e “vai tomar no c...” eram as mais ditas.
O Vitória vinha pra cima, rondava a área e um guri do meu lado ficava gritando, com um fôlego de atleta:
– Ó o mole da zaga, a zaga vai dar mole, vai dar mole...
E numa bola dividida, Elkeson, que era criança quando entrou no Vitória, acreditou na jogada e no mole que a zaga iria dar, deu um drible, avançou e chutou pra marcar um a zero. Apesar de estar com a câmera ligada, não consegui filmar o gol. À medida que Elkeson ia avançando, os pirralhos começaram a balançar o alambrado, me obrigando a ajeitar a filmadora bem na hora do chute... Só captei a comemoração.
Vitória um a zero. Era pouco contra o insosso Santo André, mas eram três pontos a mais na tabela.
Outro ataque do Vitória e numa sobra, Apodi chutou de longe, a bola passou perto, mas saiu pela linha de fundo. Tiro de meta pro Santo André. O gandula “finge” se atrapalhar com a reposição de bola, o goleiro do Santo André se irrita e devolve todos os xingamentos que recebia das crianças no pobre do gandula, que também era uma criança. O juiz então veio dar uma bronca no gandula e quando percebo, vem chegando também Marcelinho Carioca. Como só filmo o ataque rubro-negro, a câmera estava desligada. Liguei na pressa, mas não consegui filmar Marcelinho Carioca, metido a valente, xingar o gandula de “filho da p...”, mandar ele ir “tomar no c...” e dizer, com gestos, que depois acertava as contas com ele.
Quando Vanderlei Luxemburgo o chamou de “moleque” em um programa de televisão pra todo o Brasil ele ficou com o rabinho entre as pernas. Agora pra cima de um gandulinha vem todo valentão... O menino, coitado, ficou todo cabisbaixo.
A polícia chegou e mandou todo mundo sair do alambrado. Eu e as crianças. Tive de subir um tanto pra poder filmar sem a interferência da grade.
O Santo André não desistiu hora nenhuma, queria o gol de empate e a chance apareceu: de forma desnecessária, Magal fez pênalti no meia Rodrigo Fabri, aos 32 minutos do segundo tempo. Um a um naquela altura do jogo seria o pior resultado. O Santo André iria se fechar mais ainda, o Vitória teria que sair de vez, poderia ficar vulnerável e assim até sofrer uma virada no contra-ataque. Mas me lembrei que quem iria bater o pênalti era Marcelinho Carioca, o chatão otário covarde.
– Vai perder – falei pra um cara que tava do meu lado, rezando para todos os santos. Menos pra Santo André, imagino.
Eu estava com tanta certeza, com tanto pensamento positivo, que rompi com a minha superstição e liguei a câmera pra filmar um “ataque” do time adversário. Sabia que o idiotão iria perder. Sabia que o gandula seria vingado e iria rir por último.
Não filmei o primeiro gol do Vitória, mas tenho uma ótima imagem do gol não feito de Marcelinho Carioca, renovando a torcida e o time, que foi pra cima logo em seguida e fez mais dois gols, abrindo três a zero. Tudo devidamente filmado. Clique aqui e veja o vídeo desse jogo.
Depois o Santo André diminuiu fazendo um golzinho, mas precisaria de um milagre pra reagir, ainda mais depois que Neneca, o goleiro, fez lambança e cometeu um pênalti em Roger. A polícia deixou os torcedores colarem de novo no alambrado. Roger mostrou a Marcelinho Carioca como é que faz e fechou o placar. Vitória 4 X 1 Santo André e a terceira colocação na tabela.
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2 comentários:
Só não concordo com a venda da camisa.
Você escreve muito bem, poderia ter um pouco mais de destaque na blogosfera rubronegra hein, ainda mais que desde o ano passado você escreve, muito bom o texto, parabens cara.
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